segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O Breve Espaço De Beijar


"O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.

O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.

O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar."

Carlos Drummond de Andrade, "O mundo é grande".

O mundo é grande. O mar é grande. O amor é grande. E tudo cabe no breve espaço de beijar.

No breve espaço de beijar cabe o universo. Um universo de sensações, um universo de expectativas, um universo de desejo que vai e vem, que percorre o corpo várias vezes, provocando ondas de calor como se todos os segundos fossem verão.
Mas, mesmo sendo universo, no breve espaço de beijar só cabem dois: dois pares de lábios, dois pares de olhos fechados, duas línguas, dois corações, duas pessoas, dois jeitos, duas improvisações.
No breve espaço de beijar cabe mesmo o mar. Um mar de água na boca. Vontade de mais, de sempre, de grude, de amasso, de sexo.
No breve espaço de beijar cabe muita volúpia, muito movimento, toque e tesão. Cabe uma aquarela completa que dança no pensamento vazio enquanto o corpo se enche de... mundo.
No breve espaço de beijar cabe troca. De saliva, de textura, de sentimento, de um mar de silêncio, apesar da trilha sonora que toca na imaginação, porque um beijo pára tudo ao redor só para ser apoteose, mesmo quando considerado mera alegoria.
No breve espaço de beijar cabe o que a gente ainda não sabe. Não sabe se é amor, se é paixão, química, tentação ou só impulso. Cabe o indefinível, porque beijar é mais importante do que qualquer tentativa de dicionarização.
No breve espaço de beijar cabe estréia. O primeiro, o segundo, o terceiro, o milésimo. Todos premières cheias de glamour, porque as variáveis são muitas e as combinações, inúmeras: variam as bocas, os lábios, os amantes, os dias, os cenários, os motivos — um beijo nunca é igual ao outro.
O breve espaço de beijar é tão enorme que nele também cabe paradoxo: brevidade e permanência, elegância e desalinho, calma e voracidade, fome e satisfação. Congela a memória mas faz ferver o sangue. Em um beijo cabe um mundo de contrariedades, de opostos que se atraem, de algo em comum.
O beijo é intenção declarada, ponte para o outro, uma invasão consentida mesmo quando roubado, apetite incontido, jeito ousado de mostrar com a boca o que os olhos querem e não alcançam. É sei lá, deixa para lá, o lá de dentro e o lá de fora num diálogo mudo que diz tudo aqui e agora.
Beijar desequilibra, faz perder o rumo, a cabeça, a razão, mas não a oportunidade. É mesmo um espaço infinito ainda que acabe rápido, deixando a respiração ofegante e o corpo todo falante, já que a boca está ocupada demais para pronunciar sílaba. Um beijo é língua comum embora deixe a gente sem palavras. Beijo é linguagem. Desvia todos os sentidos para o paladar. É gosto que não se discute ao sabor de cada par.
Por isso que o beijo contém o mar, o céu e o que mais for possível imaginar. Porque qualquer beijo é um gigante mostrando horizontes inteiros para a gente desvendar.

O mundo é grande. O mar é grande. O amor é grande. E tudo, absolutamente tudo, cabe no breve espaço de beijar.

Um comentário:

Mayah disse...

tu escreve bem demais, mari. e esse foi um dos melhores textos teus que eu já li. adorei :)