sábado, 19 de setembro de 2009

Um labirinto chamado amor

"Assim, pelos olhos, o amor atinge o coração:
Pois os olhos são os espiões do coração.
E vão investigando
O que agradaria a este possuir.
E quando entram em pleno acordo
E, firmes, os três em um só se harmonizam,
Nesse instante nasce o amor perfeito, nasce
Daquilo que os olhos tornaram bem-vindo ao coração"
.

(poema de Guiraut de Borneilh, citado no livro "O Poder do Mito", de Joseph Campbell e Bill Moyers)

Uma pessoa racional, frente ao desafio da edificação de um labirinto, cartesianamente chegará à conclusão de que ele deverá ser construído de dentro para fora. Caso contrário, o arquiteto correrá o sério risco de se ver perdido dentro de sua própria criação.

Pois bem, o que faz o tal do amor? Contraria todas as regras mais básicas, inclusive essa.

Amar é construir um labirinto de fora para dentro.

Seguir por um corredor que não sabemos aonde vai dar. Pender entre a esquerda, a direita ou o caminho à minha frente. Escolher uma galeria, depois se arrepender. Rever posições, dar alguns passos atrás, repetir os mesmos erros. Acreditar que encontrou finalmente a saída, quando aquele era apenas o começo. Zanzar para lá e para cá. Sentir aquela sensação de déjà vu. Desesperar-se em meio às bifurcações, dispersar-se, fazer uma pausa em meio ao caos. Aos poucos, aprender a sentir prazer no puro ato de caminhar.

Segundo a definição de Luis Fernando Veríssimo, "labirinto é o caminho mais rápido entre o ponto A e o ponto B, para quem queira ir para o ponto C". Composto por corredores intrincados que se cruzam e entrelaçam, labirintos são escolas que ensinam o que é o Barroco. Em vez de uma vereda linear que leva o transeunte de um lugar para outro da maneira mais objetiva possível, o bom labirinto representa uma aventura que desafia seu oponente à perda e ao reencontro de si mesmo. Porque é preciso tatear caminhos, amalgamar lógica e intuição, parar para refletir sobre como percorrer da melhor forma possível divisões e galerias que parece levar a lugar algum.

Perder-se de si mesmo é uma boa maneira de se reencontrar.

Através do ímã de um olhar, surgem a atração e o desejo; fagulhas a partir das quais desencadeia-se a construção do labirinto. Entre conversas e confissões, carícias e convivência, corredores e galerias ordenam-se paulatinamente em complexa tessitura que, quando vai ver, já enredou mais um incauto no centro de sua arapuca.

Zelda Fitzgerald, antes de se desequilibrar na corda bamba da sanidade, escreveu: "buscar amor é buscar um novo começo, um novo ponto de partida na vida".

A melhor estratégia para explorar esse labirinto talvez seja agir com atenta distração. Escarafunchar o mundo com espírito de criança, com olhos que vaguem distraidamente atentos, capazes de se maravilhar com uma gota de orvalho no retrovisor de um carro, uma joaninha pousada no muro ou a raiz que rompe uma calçada. E, no ato de brincar, descobrir magia no que antes parecia ser tão banal, tateando o mundo como quem soletra pela primeira vez o alfabeto que arquiteta as estrelas.

Amar é perder-se e reencontrar-se no centro de um labirinto.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O Breve Espaço De Beijar


"O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.

O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.

O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar."

Carlos Drummond de Andrade, "O mundo é grande".

O mundo é grande. O mar é grande. O amor é grande. E tudo cabe no breve espaço de beijar.

No breve espaço de beijar cabe o universo. Um universo de sensações, um universo de expectativas, um universo de desejo que vai e vem, que percorre o corpo várias vezes, provocando ondas de calor como se todos os segundos fossem verão.
Mas, mesmo sendo universo, no breve espaço de beijar só cabem dois: dois pares de lábios, dois pares de olhos fechados, duas línguas, dois corações, duas pessoas, dois jeitos, duas improvisações.
No breve espaço de beijar cabe mesmo o mar. Um mar de água na boca. Vontade de mais, de sempre, de grude, de amasso, de sexo.
No breve espaço de beijar cabe muita volúpia, muito movimento, toque e tesão. Cabe uma aquarela completa que dança no pensamento vazio enquanto o corpo se enche de... mundo.
No breve espaço de beijar cabe troca. De saliva, de textura, de sentimento, de um mar de silêncio, apesar da trilha sonora que toca na imaginação, porque um beijo pára tudo ao redor só para ser apoteose, mesmo quando considerado mera alegoria.
No breve espaço de beijar cabe o que a gente ainda não sabe. Não sabe se é amor, se é paixão, química, tentação ou só impulso. Cabe o indefinível, porque beijar é mais importante do que qualquer tentativa de dicionarização.
No breve espaço de beijar cabe estréia. O primeiro, o segundo, o terceiro, o milésimo. Todos premières cheias de glamour, porque as variáveis são muitas e as combinações, inúmeras: variam as bocas, os lábios, os amantes, os dias, os cenários, os motivos — um beijo nunca é igual ao outro.
O breve espaço de beijar é tão enorme que nele também cabe paradoxo: brevidade e permanência, elegância e desalinho, calma e voracidade, fome e satisfação. Congela a memória mas faz ferver o sangue. Em um beijo cabe um mundo de contrariedades, de opostos que se atraem, de algo em comum.
O beijo é intenção declarada, ponte para o outro, uma invasão consentida mesmo quando roubado, apetite incontido, jeito ousado de mostrar com a boca o que os olhos querem e não alcançam. É sei lá, deixa para lá, o lá de dentro e o lá de fora num diálogo mudo que diz tudo aqui e agora.
Beijar desequilibra, faz perder o rumo, a cabeça, a razão, mas não a oportunidade. É mesmo um espaço infinito ainda que acabe rápido, deixando a respiração ofegante e o corpo todo falante, já que a boca está ocupada demais para pronunciar sílaba. Um beijo é língua comum embora deixe a gente sem palavras. Beijo é linguagem. Desvia todos os sentidos para o paladar. É gosto que não se discute ao sabor de cada par.
Por isso que o beijo contém o mar, o céu e o que mais for possível imaginar. Porque qualquer beijo é um gigante mostrando horizontes inteiros para a gente desvendar.

O mundo é grande. O mar é grande. O amor é grande. E tudo, absolutamente tudo, cabe no breve espaço de beijar.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Julgando o ato de discutir, ou discutindo o ato de julgar?

Guardadas todas as proporções do respeito, do jogo limpo e da transparência, o ato de discutir é o mais saudável dos praticados pelo bicho homem (aqui citado como espécie e não como gênero). Detesto brigas infundadas, discussões vazias, que não levam a nada e não ensinam lição alguma. Mas adoro o bom combate de palavras que não considera as questões pessoais, mas meramente profissionais ou ideológicas. Pena que as pessoas relutem em ouvir as opiniões alheias. Não digo nem acatar, ou concordar ou até seguir, mas simplesmente ouvir.

O mundo caminha em passos de intolerância, as pessoas estão eternamente na defensiva. É normal, nesses tempos de medo, de ameaças fantasmas que nos cercam e congelam. Todos vestimos escudos antipalavras. O que o meu semelhante diz, bate no meu escudo e resvala no chão, sem fazer eco aos meus ouvidos. Com tantas muralhas, gente blindada andando por aí, o combate de ideias, a discussão saudável, a paixão por defender pontos de vista, por aprender e ensinar com a experiência alheia, vai virando poeira na estrada.

Do ato mais prosaico ao mais complexo da vida, lá estámos nós, seres humanos, julgando ações e gestos, os nossos e dos outros. Fiquei pensando nisso, no ato de discutir, na nossa “mania” de julgar pessoas e situações, depois de ouvir a frase célebre: ”ninguém tem o direito de julgar ninguém!”.

A bem da verdade, acredito que o direito que não temos é o de condenar. Salvo, logicamente, aqueles atos e ideias considerados hediondos (violência, estupro, pedofilia, assédio e tantas outras crueldades que certas mentes nem um pouco humanas concebem). Mas julgar, selecionar, fazer juízo de… todos julgamos. Por exemplo, alguém que não aprecia um certo tipo de música e aprecia um outro que consideramos vulgar, com certeza nós julgamos. O que não pode ocorrer é condenar esse outro apenas por discordar do nosso gosto musical…

Se não tivéssemos a dádiva do julgamento e da discordância, jamais saberíamos separar, ainda nos primórdios da humanidade, a planta que cura daquela que mata. A própria sobrevivência da espécie naqueles tempos remotos estaria ameaçada se as fêmeas não “julgassem” (escolhessem) qual macho tem os genes mais saudáveis para gerar descendência e vice-versa.

Um bebê, se não aprendesse desde cedo a “julgar” (avaliar) a ordem dos pais para que não meta o dedo na tomada, certamente não viveria muito tempo. Houve aqueles que arriscaram se valia a pena ou não ouvir o conselho. O resultado foi uma choradeira bem sentida, queimaduras e a certeza de que contrariar a ordem e meter o dedo na tomada foi um erro de julgamento (de escolha) dos mais doloridos. Essa sabedoria de carregar a dor dos nossos julgamentos equivocados nos é ensinada ainda na infância, mas só aprendemos a liçào quando já queimamos bastante as pontas dos dedos ou recebemos tantos choques quantos nosso coração aguenta.

Viver é fazer escolhas, diz o ditado. Viver é julgar. Viver é manifestar opinião, é discordar, ponderar se a sua discordância é fruto de intransigência ou se de fato há um argumento.

Julgamos as nossas próprias escolhas o tempo todo, julgamos as escolhas alheias, principalmente as que podem nos afetar. O que nos falta aprender não é a não julgar ou não discordar do outro, mas a não condenar quem tem opinião diversa da nossa. O que nos falta é aprender a viver em um mundo diverso.

Tenho o direito de me expressar, discutir, opinar, assim como todos os outros também têm o mesmíssimo direito. Julgo aquilo que ouço e decido se concordo ou não. Se eu não concordo, discuto, opino, debato a questão, demonstro meu ponto de vista. Outros podem concordar comigo, dar apoio, muitos certamente discordarão. Mas é dessa diversidade de ideias que se constrói uma sociedade.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A Morte E Seus Rastros

Morte. A palavra, por si só, já carrega um peso. É a única certeza que temos na vida, a de que todos morreremos um dia. Mas é difícil se preparar para perder alguém. Algumas almas elevadas conseguem lidar bem com as perdas, mas acredito que a grande maioria das pessoas não está pronta para ver arrancado de sua vida alguém que ama. A gente sente uma saudade diferente. É uma saudade amarrada pela certeza de que nunca vai passar. É uma saudade que vai ser eterna. Nós apenas nos acostumamos a conviver com a ausência, mas não esquecemos, não deixamos de sentir falta. As memórias permanecem, o peito aperta em cada lembrança, e só o tempo mesmo para acalmar o coração.

A compreensão da morte vai depender da crença religiosa de cada um. Cada um interpreta o ato de morrer de uma forma diferente. Para alguns, voltaremos em uma nova encarnação; para outros, ali acaba a vida. Teorias não faltam para tentar explicar a morte, mas o fato é que é difícil perder alguém. Para mim pelo menos. Um vazio parece invadir nosso peito, a sensação de que você não está vivendo aquilo, uma vontade de que seja tudo um sonho, um desespero que a gente não consegue explica. O descontrole inicial passa, e você cai na real: a pessoa já não está em sua vida, não daquele jeito a que você estava acostumado. Enfrentar a morte é um processo que exige tempo para que consigamos lidar melhor com a situação, com a ausência em si. Eu perdi alguém. E eu nunca havia pensado no quanto dói perder alguém.

Mas a vida segue seu rumo, impiedosa. Os dias continuam passando a cada 24h e o resto de sua vida caminha a passos largos, ainda que você precise dar um tempo de tudo. Só que hoje, não temos tempo nem para o luto. Não que ninguém deva se entregar à dor e lá ficar. Não é isso. A questão é que é impossível exigir que funcionemos como se nada tivesse acontecido. É impossível desvincular o emocional das nossas rotinas diárias. Mas a nossa sociedade apressada não quer saber disso. Não temos mais tempo para chorar. Ou então choraremos a caminho de algum lugar, ou enquanto executamos alguma atividade.

As lágrimas ainda caem, mas o riso estampa meu rosto, em homenagem a ele, que passava a vida a sorrir. Um dia será cada um de nós, deixando esse mundo. Mas enquanto eu tiver nele, escolhi que vou fazer o melhor pra ser feliz e viver. Viver mesmo, dedicando tempo àquilo que me dá prazer, a sentar com meus amigos, a ficar deitada vendo filme. Toda perda nos faz refletir. Eu quero aproveitar cada momento que eu posso ter ao lado das pessoas que amo. Quero aproveitar cada segundo ao lado delas. Chorarei pela perda de cada um que amo, mas farei brilhar no rosto um riso, por ter podido compartilhar tudo o que foi possível enquanto estavam ao meu lado.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Apenas Citando

Definitivamente o conceito "ócio criativo" não se aplica a mim.
Só resta-me fazer uma citação, do aqui já citado François de La Rochefoucauld:
"A distância diminui as paixões pequenas e aumenta as grandes, pois o vento apaga velas e ventila um incêndio."

domingo, 5 de julho de 2009

Um tanto quanto paradoxal...

Vai vendo: se o impossível é tocável, o possível é plausível. Claro, não há quem não garanta com segurança tal afirmação. E pra quê o possível, se o impossível abocanha nossas vertigens, fazendo de cada mísero passo um tremendo salto olímpico? Ao invés de uma vida ociosa, uma vida cheia de dúvidas. No lugar de certezas infinitas o questionamento eterno perante as atitudes ( recém) tomadas. Isso é viver, porque, infelizmente, só podemos usufruir dessa; e em sua totalidade, VIDA.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Quero dias mais longos, e anos mais curtos...

Se o dia durasse 36 horas seríamos mais felizes, certo? Errado. Se o dia durasse 36 horas precisaríamos que ele durasse 48 e se ele durasse 48, iriamos querer um dia de 72 horas. Já repararam como o tempo gosta de brincar conosco? Tudo bem, vocês vão dizer que ele é relativo, que depende sempre de um parâmetro, que discutir a infinitude do tempo é uma questão filosófica…Concordo. Mas ainda tenho aquela sensação incômoda de que o tempo está rindo da minha cara.

Há situações em que o tempo faz piadas de mau-gosto conosco, faltando nos momentos em que mais precisamos dele. Sem falar que, o danadinho sempre acaba quando estamos nos divertindo. Reparem como o fim de semana passa depressa. Uma vez, li uma entrevista na Scientific American em que um cientista americano defendia a teoria de que o nosso ritmo de vida estressado e apressado altera a rotação da Terra. Ele explicava alguns cálculos físicos e matemáticos e claro, citava efeito estufa e outros fatores de desequilibrio ambiental, para concluir que, embora tenhamos a sensação de viver um dia de 24 horas, estamos na verdade vivendo 16 horas e alguns minutos. Se o pesquisador está certo, não faço ideia. Trata-se de uma teoria que pode ser contrariada, ou comprovada, por outro pesquisador.

O que sei é que todos nós, cidadãos contemporâneos, vivemos uma falta de tempo crônica. Nós deixamos que o tempo nos manipule, ao invés de assumirmos as rédeas da carruagem. Quantas vezes você reclamou nos últimos dias de que não tinha tempo para nada? E se, ao invés de tornar-se refém do tempo você tentasse qualificá-lo? Não sabe como fazer? Que tal começar elegendo prioridades? De curto, médio e longo prazos.

Viver é escolher. Bem disse Cecília Meirelles, que nossa existência é eternamente conduzida por estados de escolha, “ou isto ou aquilo”. Escolher é sinônimo de sabedoria. Minha mãe costuma dizer que devemos evitar colocar o chapéu numa altura onde o braço não alcança. Até porque, se o colocarmos alto demais, teremos problemas para resgatá-lo depois. Por isso, comece eliminando aquele monte de tarefas com as quais se sobrecarrega sem motivo ou necessidade. Exercite dizer não quando querem te dar mais tarefas do que sua capacidade de realizá-las. Evite abraçar o mundo todo, como se tudo o que existe dependesse de você para existir. Eleja prioridades. O mundo continuará girando com ou sem você.