terça-feira, 28 de julho de 2009

Julgando o ato de discutir, ou discutindo o ato de julgar?

Guardadas todas as proporções do respeito, do jogo limpo e da transparência, o ato de discutir é o mais saudável dos praticados pelo bicho homem (aqui citado como espécie e não como gênero). Detesto brigas infundadas, discussões vazias, que não levam a nada e não ensinam lição alguma. Mas adoro o bom combate de palavras que não considera as questões pessoais, mas meramente profissionais ou ideológicas. Pena que as pessoas relutem em ouvir as opiniões alheias. Não digo nem acatar, ou concordar ou até seguir, mas simplesmente ouvir.

O mundo caminha em passos de intolerância, as pessoas estão eternamente na defensiva. É normal, nesses tempos de medo, de ameaças fantasmas que nos cercam e congelam. Todos vestimos escudos antipalavras. O que o meu semelhante diz, bate no meu escudo e resvala no chão, sem fazer eco aos meus ouvidos. Com tantas muralhas, gente blindada andando por aí, o combate de ideias, a discussão saudável, a paixão por defender pontos de vista, por aprender e ensinar com a experiência alheia, vai virando poeira na estrada.

Do ato mais prosaico ao mais complexo da vida, lá estámos nós, seres humanos, julgando ações e gestos, os nossos e dos outros. Fiquei pensando nisso, no ato de discutir, na nossa “mania” de julgar pessoas e situações, depois de ouvir a frase célebre: ”ninguém tem o direito de julgar ninguém!”.

A bem da verdade, acredito que o direito que não temos é o de condenar. Salvo, logicamente, aqueles atos e ideias considerados hediondos (violência, estupro, pedofilia, assédio e tantas outras crueldades que certas mentes nem um pouco humanas concebem). Mas julgar, selecionar, fazer juízo de… todos julgamos. Por exemplo, alguém que não aprecia um certo tipo de música e aprecia um outro que consideramos vulgar, com certeza nós julgamos. O que não pode ocorrer é condenar esse outro apenas por discordar do nosso gosto musical…

Se não tivéssemos a dádiva do julgamento e da discordância, jamais saberíamos separar, ainda nos primórdios da humanidade, a planta que cura daquela que mata. A própria sobrevivência da espécie naqueles tempos remotos estaria ameaçada se as fêmeas não “julgassem” (escolhessem) qual macho tem os genes mais saudáveis para gerar descendência e vice-versa.

Um bebê, se não aprendesse desde cedo a “julgar” (avaliar) a ordem dos pais para que não meta o dedo na tomada, certamente não viveria muito tempo. Houve aqueles que arriscaram se valia a pena ou não ouvir o conselho. O resultado foi uma choradeira bem sentida, queimaduras e a certeza de que contrariar a ordem e meter o dedo na tomada foi um erro de julgamento (de escolha) dos mais doloridos. Essa sabedoria de carregar a dor dos nossos julgamentos equivocados nos é ensinada ainda na infância, mas só aprendemos a liçào quando já queimamos bastante as pontas dos dedos ou recebemos tantos choques quantos nosso coração aguenta.

Viver é fazer escolhas, diz o ditado. Viver é julgar. Viver é manifestar opinião, é discordar, ponderar se a sua discordância é fruto de intransigência ou se de fato há um argumento.

Julgamos as nossas próprias escolhas o tempo todo, julgamos as escolhas alheias, principalmente as que podem nos afetar. O que nos falta aprender não é a não julgar ou não discordar do outro, mas a não condenar quem tem opinião diversa da nossa. O que nos falta é aprender a viver em um mundo diverso.

Tenho o direito de me expressar, discutir, opinar, assim como todos os outros também têm o mesmíssimo direito. Julgo aquilo que ouço e decido se concordo ou não. Se eu não concordo, discuto, opino, debato a questão, demonstro meu ponto de vista. Outros podem concordar comigo, dar apoio, muitos certamente discordarão. Mas é dessa diversidade de ideias que se constrói uma sociedade.

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